Já havia nos alertado Virginia Wolf “durante muito tempo na história ‘anônimo’ foi uma mulher”. As coisas já mudaram, é verdade, mas ainda há muito caminho a ser percorrido para a construção da igualdade de fato. No texto de hoje teremos uma seleção muito especial de mulheres fotógrafas, desde as pioneiras até jovens artistas da atualidade. Essa escolha nunca é fácil e obviamente não tem a pretensão de ser uma lista definitiva, é apenas um recorte. Eu admiro cada nome aqui elencado e tenho certeza que vocês gostarão também.
1) Constance Talbot (1811-1880)
Constance Talbot, considerada a primeira mulher a fazer uma fotografia no mundo: a imagem de um verso do poeta irlandês Thomas Moore. Nascida em Markeaton/Derby, Reino Unido, foi casada com William Henry Fox Talbot, um dos inventores da fotografia. De acordo com o que nos é contado, foi durante a lua de mel, na Itália, que Fox Talbot, cientista e inventor, se deu conta de que Constance era uma artista muito mais habilidosa do que ele e a partir de então começaram seus esforços para conseguir capturar uma imagem sem a necessidade de desenhar, ele desenvolveria um processo positivo-negativo em papel, que devido à baixa qualidade e durabilidade, na época, ficou ofuscado pelo invento de Daguerre, o daguerreótipo.
Acredita-se que muitas imagens creditadas como sendo de Fox Talbot sejam, na realidade, de Constance. Mais de 2000 desenhos e aquarelas produzidos por Constance permaneceram guardados na residência do casal (Lacock Abbey) e só se tornaram públicos quando foram digitalizados em 2009, por meio de uma parceria entre o National Trust e o Watercolour World e podem ser vistos online:
https://www.watercolourworld.org/collection/lacock-abbey-%E2%80%93-national-trust-collection.
2) Gioconda Rizzo (1897-2004)
Gioconda Rizzo, considerada a primeira fotógrafa do Brasil. Descendente de italianos, nasceu na cidade de São Paulo em 18/04/1897. Seu pai, Michelle Rizzo, era fotógrafo e dono do estúdio Rizzo Photographia Central, que ficava na Rua Direita, na capital paulista. Autodidata, foi observando o trabalho de seu pai que Gioconda, aos 14 anos, começou a fotografar escondida. Tendo seu talento reconhecido pelo pai, iniciou seus trabalhos no estúdio fotografando mulheres e crianças, pois não pegava muito bem uma moça de família ficar a sós com homens.
Em 1914 a jovem fotógrafa, com o acompanhamento da mãe, montou seu próprio espaço o Photo Femina que, dentre outras inovações, foi responsável por estabelecer um novo enquadramento para fotografias de mulheres. As fotos tradicionais de corpo inteiro, sentadas ou em pé, deram lugar a um tipo mais íntimo de imagem onde apenas o rosto, colo e ombros entravam no quadro. Esse tipo de enquadramento fez muito sucesso na época, mas o estúdio próprio de Gioconda teve uma vida breve, ele fechou em 1916 depois que um dos seus irmãos “percebeu” que o estúdio era frequentado por cortesãs e não apenas damas da sociedade. Gioconda, dessa maneira, volta a trabalhar com o pai.
3) Gertrudes Altschul (1904-1962)
Gertrudes Altschul nasceu em Berlim, Alenhama e veio para o Brasil em 1939, fugindo do regime nazista. Se estabeleceu em São Paulo e dividia suas atividades entre a fábrica de produção de flores para chapéus da família e a fotografia. Foi uma das poucas mulheres a fazer parte do Foto Cine Clube Bandeirantes (FCCB) em São Paulo. O FCCB reunia fotógrafos alinhados com o movimento conhecido como Escola Paulista, pilar da fotografia moderna no Brasil. Ela começou a frequentar os workshops nos anos 1940 e foi aceita como membra em 1952.
Até o dia 30/01/2022 é possível visitar a mostra Gertrudes Altschul: Filigrana, no MASP. De acordo com o site da exposição, “a produção fotográfica de Altschul esteve em sintonia com a linguagem da fotografia moderna brasileira, que buscava romper com os princípios clássicos da composição por meio de construções geometrizadas, tanto abstratas quanto figurativas, e de experimentações com luz, sombras, linhas, ritmos, planos e processos de revelação e de ampliação. Nesse contexto, os principais temas de Altschul se concentram na arquitetura moderna brasileira e nos motivos botânicos, sobretudo as folhas, bem como nos objetos do cotidiano em diferentes escalas, espécies de naturezas-mortas fotográficas”.
4) Cig Harvey
Cig Harvey é uma fotógrafa e escritora britânica que explora o cotidiano, a intimidade e a natureza. Suas fotos são carregadas de sensibilidade e mistério com forte inspiração no realismo fantástico. Cores, flores e personagens enigmáticas nos convidam a fazer a leitura dessas narrativas. Ela considera seu trabalho como um híbrido entre fotografia e poesia que se dedica a abordar o sentir, o que é ser humano. Seu trabalho já foi publicado em diversos veículos de renome e suas fotos estão nas coleções de importantes instituições. Vale a pena visitar seu Instagram e entrar em contato com esse mundo mágico criado pela artista.
5) Mary Beth Meehan
Mary Beth Meehan é fotógrafa independente, escritora e educadora. Nascida em Brockton, Massachusetts/EUA, seu interesse por fotografia foi despertado quando um tio começou a estudar fotografia em Nova Iorque, nos anos 1970, e passou a presentear Mary com livros de fotografia e ela optou por seguir a carreira de fotojornalista. Mary se insere nos grupos e consegue criar retratos em profundidade das suas comunidades. As imagens abordam questões de imigração, cultura e mudanças e possuem uma grande carga emocional. De acordo com a artista sua intenção é “criar conexões entre as pessoas e inspirar uma empatia que transcende a economia, a política e a raça”. Discutindo temas como identidade, visibilidade e inclusão, seus projetos sempre incluem ações que promovam diálogos com a sociedade civil além de apresentar instalações com impressões em grande escala em locais públicos. Esses banners, que emprestam a escala dos anúncios OOH (Out of Home), servem para trazer visibilidade para os habitantes locais e promover reflexões sobre a comunidade. Siga no Instagram.
6) Tsion Haileselassie
Tsion Haileselassie é uma jovem fotógrafa autodidata natural de Adis Abeba, Etiópia. Sua fotografia de rua busca capturar o cotidiano da sua cidade natal de maneira mágica e sensível. Seus retratos e autorretratos também são carregados sensibilidade e nos falam, com simplicidade e potência, sobre intimidade e vulnerabilidade. É membra do African Women in Photography e vale a pena acompanhar o seu Instagram.
7) Hannah Whitaker
Hannah Whitaker é uma fotógrafa americana, natural de Washington/DC, que vive e trabalha em Nova Iorque. Quando olhamos para as imagens produzidas por Hannah, a princípio, podemos acreditar que tratam-se de colagens. Mas como nos explica uma reportagem da revista Time, sobre a artista, Hannah utiliza a experimentação analógica com a manipulação digital. Fotografando com uma 4×5, Hannah explica que “cada chapa pode se transformar em vários dias de produção se considerarmos todo o trabalho de pré-produção e planejamento que acompanha”. O resultado são criações extremamente meticulosas e complexas, arte e ciência em plena harmonia. Confiram o Instagram da artista.
8) Juh Almeida
Juh Almeida é baiana, cineasta, diretora de fotografia e fotógrafa, vive atualmente em São Paulo. Entre outros trabalhos, roteirizou e dirigiu o curta-metragem Náufraga (2018), vencedor na categoria de melhor curta-metragem baiano no XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema e selecionado em inúmeros festivais dentro e fora do Brasil. Ela faz parte do DAFB – Coletivo das Diretoras de Fotografia do Brasil, do catálogo Women Photograph, e é associada à APAN – Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro. Suas imagens nos trazem vivências e narrativas negras de maneira experimental e poética. Estética, cultura e identidade capturadas com sensibilidade e beleza. Acompanhem o Instagram da artista.
9) Angelica Dass
Angelica Dass é uma premiada fotógrafa brasileira que atualmente vive e trabalha na Espanha. Seu trabalho combina fotografia, pesquisa sociológica e participação pública na defesa dos direitos humanos. Ela possui um extenso trabalho em andamento chamado “Humanæ” que busca a documentação das verdadeiras cores de peles, para além dos tons genéricos (preto, branco, amarelo, vermelho), de maneira a mostrar que o que define o ser humano é a sua singularidade. Um trabalho bastante expressivo que já conta com quase 4.000 voluntários, com retratos feitos em 20 países diferentes e 36 cidades diferentes ao redor do mundo, graças ao apoio de instituições culturais, sujeitos políticos, organizações governamentais e organizações não governamentais. Siga a artista no Instagram.
10) Elisa Miralles
Elisa Miralles formou-se engenheira química, mas fotografa desde 2007. Artista espanhola, ela é ganhadora de vários prêmios e bolsas e ainda organiza cursos e dá aulas de fotografia. De acordo com seu site, para Elisa “ser fotógrafa é uma forma de estar no mundo, relacionar-se com ele e tentar compreendê-lo. Meu trabalho fala sobre como as pessoas se relacionam entre si e com seu ambiente social, física e emocionalmente. Interessa-me a imagem que o indivíduo projeta de si mesmo e como constrói a sua identidade. O poder da sociedade, a pressão social e a tradição têm uma influência decisiva em nosso comportamento, limitando nosso desenvolvimento pessoal e nossas liberdades. Eu exploro questões relacionadas a gênero, estereótipos, construção de identidade e reificação de uma perspectiva feminista”. Imagens potentes e sensíveis, em uma atmosfera onírica, que nos faz refletir sobre corpo, intimidade e padrões. Não deixe de seguir no Instagram.
11) Madalena Schwartz (1921-1993)
Madalena Schwartz fotógrafa nascida na Hungria e radicada em São Paulo. Foi membra do Foto Cine Clube Bandeirantes e também é uma representante da Escola Paulista. Madalena era moradora do icônico edifício Copan e registrou de maneira essencial as personagens que conheceu na noite paulistana. Seus retratos vão de artistas transformistas e travestis até nomes como Ney Matogrosso e Elke Maravilha. Em 2021, o Instituto Moreira Sales (IMS) realizou a exposição As Metamorfoses – Travestis e transformistas na São Paulo dos anos 70, em comemoração ao centenário da artista.
12) Elza Lima
Elza Lima é natural de Belém do Pará, fotografa desde 1984 e é uma das mais importantes fotógrafas paraenses em atividade. A inspiração de Elza vem da infância e ela captura o interior da Amazônia como se fossem imagens vindas de seus sonhos de criança, invocando temas, cultura local, mitologias e histórias que seu avô contava, mesclando esse passado quase esquecido e o presente em constante mutação. Em 2021 o Centro Cultural Fiesp organizou a exposição O Norte sem Norte com fotografias da artista. Não deixe de seguir no Instagram.
13) Vivian Maier (1926-2009)
Vivian Maier foi uma fotógrafa americana. Apesar de ter nascido na cidade de Nova Iorque, Vivian passou a maior parte de sua juventude na França. Ela retorna para os EUA em 1951 e começa a trabalhar como babá e cuidadora, atividades que desempenharia durante toda a vida. Nas horas vagas Vivian se dedicava à fotografia de rua, são mais de 100.000 imagens. Sua história e fotos vieram à tona quando seu material foi descoberto em 2007, por John Maloof, ele adquiriu os negativos em um leilão, que reconheceu o valor artístico e histórico das imagens, mas foi somente após a morte de Meier que houve o reconhecimento de seu trabalho e o material começou a ser reproduzido na internet e em revistas especializadas, além da publicação de livros com o seu acervo e exposições. Em 2014 foi lançado o documentário “Finding Vivian Meier” (A fotografia oculta de Vivian Meier). Autodidata, Vivian conseguiu, de uma maneira bastante bela e peculiar, capturar as histórias que as ruas nos contam.
14) Graciela Iturbide
Graciela Iturbide, fotógrafa mexicana, começou com o cinema, mas migrou para a fotografia sob influência do fotógrafo, e seu professor à época, Manuel Alvarez Bravo. Graciela trabalhou como assistente de Bravo nos anos 1970-71. Foi durante uma viagem pela Europa que Graciela conheceu Cartier-Bresson. Bravo, Bresson e Tina Modotti são importantes influências para o trabalho de Graciela Iturbide. Em 1978 ela foi contratada pelo “Archivo Etnográfico del Instituto Nacional Indigenista de México” para fotografar a população indígena do México. Iturbide começou com o povo Seri, um grupo de pescadores nômades que vive no deserto de Sonora, próximo à fronteira com o Arizona. Desde então tem se dedicado a documentar os povos originários mexicanos e também os momentos turbulentos do país. Já foi convidada para trabalhar em diversos países e é considerada uma das mais importantes fotógrafas da história.
15) Aïda Muluneh
Aïda Muluneh nasceu na Etiópia, na capital Adis Abeba, mas ainda jovem teve uma vida itinerante passando pelo Iêmen, Inglaterra e Canadá. Graduou-se em Washington/DC e trabalhou como fotojornalista para o Washington Post e para outros veículos ao redor do globo. Já expôs em vários países e possui fotografias nas coleções de renomadas instituições. Aïda é a fundadora e diretora do “Addis Foto Fest (AFF), o primeiro festival internacional de fotografia da África Oriental que acontece desde 2010, na cidade de Adis Abeba. Ela mantém projetos educacionais, curadoria e desenvolvimento de projetos culturais com instituições locais e internacionais. Aïda produz retratos bastante expressivos e potentes. O uso de cores, pintura facial/corporal, vestimentas e cenários teatrais conferem às imagens um toque onírico que flerta com o surrealismo. Confira o Instagram da artista.
16) Sabine Weiss (1924-2021)
No dia 28/12/2021 a fotógrafa franco-suíça Sabine Weiss nos deixou. A notícia foi dada no dia 29 e os principais periódicos do mundo enfatizaram: “a última fotógrafa humanista”. A fotografia humanista surgiu na França, entre seus maiores expoentes estão Capa, Bresson, Doisneau, Boubat e, é claro, Sabine Weiss, mais discreta e menos conhecida que seus colegas. Fotografia humanista é sobre pessoas comuns, cotidiano, sensibilidade e emoção. Como disse Sabine, em uma entrevista, “nunca pensei que estivesse fazendo fotografia humanista. Uma boa foto deve comover, estar bem composta e desnuda”. E assim são as fotografias de Sabine Weiss.