A escolha de fontes é uma etapa fundamental em projetos que envolvem a palavra escrita, estamos cercados pela tipografia.
Quando pensamos em uma definição para o que seja comunicação, logo nos vem à mente a ideia de transmissão de uma mensagem. Atualmente a tecnologia nos permite escolher, a partir de uma vasta gama de opções, o melhor meio para que essa mensagem seja transmitida: mensagem de texto, chamada de voz ou vídeo, áudio, posso fazer um podcast ou blog, publicar um livro ou eBook, o bom e velho face a face ou até uma carta manuscrita enviada pelo correio, quem sabe? Tudo vai depender do que eu quero comunicar e para quem. Alguns desses métodos utilizam a palavra escrita e aqui está a deixa para entrarmos no reino da tipografia.
O gradual retorno das atividades presenciais, depois de dois longos anos de isolamento (necessário, é claro), trouxe de volta o prazer, tenho certeza que vários de vocês compartilham, de ir à biblioteca. Pesquisar um título, ficar feliz por ele estar disponível, anotar os dados de localização para finalmente empreender a tarefa de localizá-lo em meio ao labirinto de estantes e títulos, labirinto esse bem organizado, sem dúvidas, mas que mesmo assim permanece desafiador. Como nos disse o escritor Jorge Luis Borges “sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca” e eu, traça que sou, só posso concordar com essa visão.
Um pouco da história da tipografia
E se hoje, em pleno séc. XXI, temos o privilégio de obter conhecimento e transmitir nossas mensagens, muito disso se deve ao inventor, gravador e gráfico Johannes Gutenberg (1400-1468), que com o desenvolvimento dos tipos móveis deu início à chamada “Revolução da Imprensa”, lá no séc. XV, em um período que ficou conhecido como Renascimento. Como nos informam as autoras Kate Clair e Cynthia Busic-Snyder:
“O aperfeiçoamento da prensa de imprimir, a inovação do tipo móvel (letras individuais, reutilizáveis, fundidas em metal ou gravadas em madeira) e a fabricação de maiores quantidades de papel a baixo custo permitiu o aumento da produção de livros. […] Esse processo era de custo muito menor do que as anteriores edições copiadas à mão, permitindo a disseminação mais ampla da palavra escrita. […] É creditado a Johann Gutenberg o desenvolvimento do tipo móvel e reutilizável” (CLAIR e SNYDER, 2009, p. 52 e 53).
Ainda de acordo com as autoras, acredita-se que Gutenberg teria impresso sua Bíblia de 42 linhas entre 1450 e 1456. O processo para produzir um livro tinha um custo muito alto e, à época, Gutenberg foi financiado por Johann Fust, mas em 1455 Fust executou a hipoteca do empréstimo e expulsou Gutenberg da oficina de impressão poucos meses antes da finalização do projeto. Fux assumiu a oficina e tinha como sócio o assistente de Gutenberg (cuidado com assistentes, vices e afins…) ele finalizou a impressão de 180 bíblias e ficou com os louros. Desses 180 exemplares originais restam 48 (CLAIR e SNYDER, 2009, p. 56 e 57).
Gutenberg, assim como Prometeu, parece ter sido punido por levar conhecimento às pessoas. A partir daí as técnicas não pararam de evoluir e se hoje podemos manusear nossos amigos de celulose precisamos render graças ao Sr. Gutenberg.
A palavra “tipografia” (do latim renascimental typographia) foi cunhada a partir dos elementos da língua grega τύπος [týpos], que significa “impressão”, e -γραφία [-graphía], “escrita”. Os tipos móveis desenvolvidos por Gutenberg foram pensados, a princípio, para imitar a escrita manuscrita, a caligrafia utilizada nas cópias de livros produzidas manualmente.
Gradativamente os livros foram se afastando do padrão manuscrito e os tipos passaram a ser desenhados especificamente para os livros impressos, começaram a ser desenvolvidas letras menores e mais legíveis que permitiam produzir edições menores e consequentemente mais acessíveis. Essa mudança marca o início do design tipográfico e estabeleceu que, a partir de então, a tipografia seria uma arte separada da caligrafia. Nicolas Jenson, gravador francês radicado na Itália, foi quem desenvolveu, a partir de 1458, os primeiros caracteres tipográficos romanos puros (CLAIR e SNYDER, 2009, p. 58).
O desenvolvimento de novas fontes e meios de impressão não parou. Hoje várias type foundries (escritórios especializados em design tipográfico) apresentam novos tipos ou ainda releituras de tipos clássicos. As letras desenvolvidas são aplicadas nos mais variados projetos: sinalização, impressos em geral, identidade visual, branding e até mesmo obras de arte. A escolha correta da fonte é uma etapa crucial de todo trabalho.
No clássico “Elementos do Estilo Tipográfico” o autor Robert Bringhurst, no prefácio, nos traz uma definição bastante poética:
“A tipografia é o ofício que dá forma visível e durável – e portanto existência independente – à linguagem humana. Seu cerne é a caligrafia – a dança da mão viva e falante sobre um palco minúsculo – e suas raízes se encravam num solo repleto de vida, embora seus galhos sejam carregados de novas máquinas ano após ano. Enquanto a raiz viver, a tipografia continuará a ser uma fonte de verdadeiras delícias, conhecimentos e surpresas” (BRINGHURST, 2005, p. 17).
Já aviso: o interesse pela tipografia é um caminho sem volta!
Para quem quiser se aventurar por essas sendas o designer e tipógrafo Claudio Rocha, uma das grandes referências no assunto, tem um livro chamado Projeto Tipográfico: análise e produção de fontes digitais que eu considero um ótimo começo. De leitura leve e fluída o autor nos oferece um breve panorama da tipografia que vai das origens até a anatomia das fontes. Ele também é um dos fundadores da revista Tupigrafia, única publicação brasileira dedicada exclusivamente à tipografia.
Apesar de ter surgido com esse caráter utilitário, o que a aproxima muito da gravura, a tipografia transbordou a mera produção em série, foi apropriada por artistas e passou a ser utilizada também nas suas criações. E, assim como a gravura, o surgimento de novas técnicas e equipamentos não fez desaparecer completamente o jeito clássico de se produzir prints. O resultado são obras artesanais confeccionadas com todo o cuidado e que até em tempos de realidade virtual continuam nos encantando. Prints, cartazes, grafites e até aí na sua frente, a tipografia é onipresente.
Referências Bibliográficas:
CLAIR, Kate; SNYDER, Cynthia Busic. Manual de Tipografia: a história, a técnica e a arte. Porto Alegre: Bookman, 2009.